“O Presidente Joe Biden vem abrir o caminho do investimento privado americano a Angola”
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Senhor Presidente, muito obrigado! É um grande prazer conhecê-lo. Falaria o meu português consigo. Mas quero que pratique o seu inglês. Então, vou manter as perguntas em inglês. Sabe, sou do New York Times e estou a escrever um artigo sobre as relações de Angola ao redor do mundo, particularmente com os Estados Unidos, com a aproximação da visita do Presidente Biden.
Então, a minha primeira pergunta é: Quando tomou posse, em 2017, mencionou os Estados Unidos entre os muitos parceiros importantes, visitou os Estados Unidos várias vezes. Claramente, está a fazer um esforço no sentido de se aproximar e estreitar os laços com os Estados Unidos. Então, a minha primeira pergunta é porquê?
(Risos)
Bom, porque os Estados Unidos da América são a primeira potência mundial. E, obviamente, todos os países procuram ter um bom relacionamento com os Estados Unidos da América. E Angola não é uma excepção.
Esse esforço da parte de Angola sempre existiu. Mesmo no tempo da Guerra Fria houve essa tentativa de aproximação. Basta dizer que o final da guerra contra o regime do Apartheid foi assinado em Nova Iorque.
Portanto, os famosos Acordos de Nova Iorque é que puseram fim ao conflito que Angola tinha com o regime do Apartheid. Daí a importância da América, entre outras razões, para com Angola.
Sobre essa questão da guerra e o envolvimento dos EUA, obviamente sabemos que os Estados Unidos durante a Guerra Civil estiveram a apoiar a UNITA; os Estados Unidos não estavam do lado da libertação quando estavam a lutar pela libertação.
Então, tem sido difícil para si, de alguma forma, aproximar-se dos Estados Unidos, dado que os EUA não estavam do lado de Angola, não estavam do lado do MPLA, quando mais precisavam durante a luta pela libertação, durante a Guerra Civil?
Nas relações entre os Estados temos que ser sempre positivos e pensar para frente. E ser positivo é fazer o que fez o Japão, é fazer o que fez o Vietname, que estiveram em conflito com os Estados Unidos em concreto, em determinada fase da história dos seus respectivos países, e que hoje são grandes parceiros dos Estados Unidos. E, com isso, os seus países desenvolveram-se o suficiente.
Portanto, para citar apenas esses dois casos, eu diria que Angola poderia ser mais um desses casos. Nós enveredamos pela economia de mercado e não há país de economia de mercado que não tenha relações com os Estados Unidos da América.
Pretendemos atrair investimento americano em Angola para o desenvolvimento da nossa economia. Pretendemos abrir as portas do mercado americano para os investidores angolanos. Portanto, por todas essas razões, tinhamos necessariamente que dar este passo. Pode ter pecado apenas por ser, digamos, tardio, mas, como se costuma dizer, antes tarde do que nunca.
Como é para si, em termos pessoais, Presidente Lourenço…Diga-me, tem uma afinidade pessoal ou gosto pelos Estados Unidos?
Lembro-me que, durante a Administração Clinton, havia a chamada Comissão Consultiva Bilateral e acho que o senhor era Secretário-Geral do MPLA, na época, e estava envolvido nisso. E depois, como ministro da Defesa,encontrou-se com o General Mattis e fez várias viagens aos EUA, visitou o Museu Afro-Americano. Fale sobre os Estados Unidos para si a nível pessoal. Tem uma afinidade pessoal ou gosto pelos EUA?
Bom, nas posições que ocupei, num passado recente, como Secretário-Geral do Partido, como Ministro da Defesa, tive a oportunidade de começar a fazer esses contactos com os Estados Unidos da América, sobretudo na área da Defesa. Fui o primeiro ministro da Defesa angolano que foi recebido no Pentágono. Portanto, eu não diria que seja uma afinidade pessoal, porque eu não estava a defender nenhum interesse pessoal, mas estava a defender os interesses do meu país.
Foi nessa condição que eu fiz esta aproximação, e fi-lo consciente de que havia nececidade de ser feito. Alguém tinha que dar um passo em frente e esperar pela reacção da outra parte, se erámos bem recebidos ou não. E no caso, devo dizer que, na visita que fiz ao Pentágono, fui muito bem recebido, e isso encorajou-me — hoje já na condiçao de Chefe de Estado — a prosseguir com essa relação.
Quero falar um pouco sobre o Corredor do Lobito. O Senhor o chamou, num dos seus discursos e cito: “um marco cuja importância estratégica transcende as nossas fronteiras”. Por que acredita nisso sobre o Corredor do Lobito?
O Corredor do Lobito é um marco de importância estratégica não apenas para o país, para Angola, não apenas para o nosso continente, mas para o mundo, uma vez que ele dá a possibilidade de poder ligar dois oceanos. Portanto, o Oceano Índico e o Oceano Pacífico, encurtando a ligação entre a Ásia e a América, num sentido e no outro, passando, obviamente, pelo continente africano, pelo Porto do Lobito, nesta costa ocidental de África, e o Porto de Dar es Salaam, na costa oriental de África.
Portanto, se conseguirmos ligar os dois corredores, com certeza que o comércio mundial ganhará com isso. O tráfego marítimo será feito com mais facilidade, com maior segurança, em menos tempo e a custos mais competitivos.
E essa importância é ainda maior nos dias de hoje, quando assistimos a uma grande insegurança no Mar Vermelho, que é outra importante rota marítima para o comércio internacional, mas que, como sabemos, há um bom tempo que se encontra numa situação de insegurança considerável.
Portanto, mesmo que se venha a resolver a situação de insegurança no Mar Vermelho, o Corredor do Lobito continuará sempre em vantagem.
Há críticos que dizem que o Corredor do Lobito apenas repete os antigos padrões de extracção colonial. Como sabe, muitas potências mundiais vinham para a África retirar os minerais. Isso lhe preocupa?
Não! Não é nenhuma preocupação, porque os nossos países, mesmo já sendo países independentes, não têm ainda capacidade de transformar todos os recursos minerais que detêm, que extraem. Portanto, seria utópico dizer-se que a extracção de minerais em bruto, de um dia para o outro, vai parar, que os países africanos vão prescindir de vender os seus minerais em bruto.
Portanto, o ideal seria termos capacidade de transformá-los aqui, mairitariamente para adicionar valor, dar mais empregos à nossa juventude, mas isso não prescinde, em absoluto, a necessidade que ainda temos de exportar uma boa parte dos nossos mineiros em bruto. Portanto, isso não nos assusta. Os minerais, hoje, são exportados no nosso próprio interesse, no interesse dos próprios Estados africanos. É uma situação que é bem diferente da do tempo colonial, porque os colonos não tinham o nosso consentimento para tirar daqui as nossas riquezas.
Então, além dos minerais, pode explicar-me como o Corredor do Lobito pode beneficiar Angola?
O Corredor do Lobito vai beneficiar Angola porque, em princípio, vai impulsionar o desenvolvimento económico de Angola, no geral, mas particularmente daquelas províncias por onde o Caminho-de-Ferro de Benguela passa.
Portanto, ele não vai servir apenas como trânsito dos minerais que vêm de outros países, e mesmo do nosso país, alí o Leste de Angola também extrai minerais exportáveis, mas nós vamos exportar produtos agrícolas. Isso vai fezer desenvolver a agricultura, vai fazer desenvolver a indústria. Portanto, procuraremos localizar um conjunto de indústrias ao longo do Caminho-de-Ferro de Benguela, ao longo do Corredor do Lobito, assim como vamos ganhar em termos de tarifas das mercadorias que passarem pelo nosso território com outros destinos, particularmente em direcção aos países encravados da parte central de África.
O Acordo de Livre Comércio Continental necessita de infra-estruturas, sobretudo infra-estruturas rodoviárias, portuárias e ferroviárias. Portanto, o Corredor do Lobito, no fundo, vem dar, de alguma forma, resposta a essa necessidade que o nosso continente tem de mais fácil circulação de bens entre os nossos países.
Então, dentro de algumas semanas, terá um visitante muito importante vindo para Angola. O que espera obter da visita do Presidente Biden ao país?
Bom, o que esperamos da próxima visita do Presidente Joe Biden em Angola, é, em primeiro lugar, o estreitamento maior das relações de amizade, de cooperação, já existente entre os nossos dos países, entre Angola e os Estados Unidos da América.
Quando um Chefe de Estado americano visita um país, transmite um sinal de confiança para o empresariado americano, dizendo: “Olha, eu acabo de abrir a porta, portanto, atrás de mim, venham, com o vosso interrese em investir nos ramos da economia que sejam do vosso interesse”.
Portanto, no fundo, o Presidente Joe Biden vem abrir o caminho do investimento privado americano a Angola. Até aqui, o que temos vindo a verificar, ao longo das décadas, é que o investimento americano em Angola está mais virado para o sector petrolífero. E esperamos que, com esta visita, haja uma maior diversificação do investimento privado americano em Angola.
Obviamente, o Senhor Biden não será Presidente dos Estados Unidos no próximo ano, e obviamente o seu Partido, os Democratas, não estarão mais no poder. Lhe parece que a visita é menos significante agora do que era antes?
Não. Não pensamos assim, na medida que, até ao dia 20 de Janeiro do próximo ano, o Presidente americano é o Presidente Joe Biden. Ele é que é o Presidente da República, o Chefe de Estado, ele é quem representa os interesses da América, portanto, fala pela América, para além de que, nas relações entre Estados, pode haver mudanças das pedras no tabuleiro, mudanças de pessoas, mas quando as relações são entre Estados, elas têm, em princípio, a garantia de continuidade. Portanto, não estamos preocupados com o facto de o Presidente Joe Biden estar em fim de missão.
Já alguma vez se encontrou ou falou com Donald Trump?
Não. Não tive ainda essa oportunidade, essa possibilidade. Mas com certeza que há-de acontecer.
Com base no que viu da sua Administração anterior e no que talvez tenha ouvido, coisas que ele disse quando estava em campanha, qual é a sua opinião sobre Donald Trump?
Bem, a minha opinião é que ele mereceu a confiança dos eleitores americanos e, portanto, vai ser o próximo Presidente americano a partir do dia 20 de Janeiro, e é a pessoa com quem, não só Angola, mas o resto do mundo, ou todo o mundo, vai ter que trabalhar, se quiser manter relações com os Estados Unidos da América. Portanto, a nossa opinião é essa.
Uma das coisas muito divulgadas que Donald Trump disse, durante a sua última presidência, é que ele chamou os países africanos de “países do lixo”. Como se sente em relação a essa caracterização feita por Donald Trump?
Não quero entrar neste tipo de considerações. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida, vamos ver como é que o Presidente Trump vai tratar os nossos países, os países africanos, quando ele assumir a presidência. Enquanto isso, não é aconselhável fazer qualquer tipo de especulação, porque não passaria disso.
Ele ainda não está em funções, e nem sempre o que se diz é o que se faz. Vamos julgar preferencialmente pela prática, pelo que ele vier a fazer, e não pelo que terá dito num ambiente de campanha. Todos nós somos políticos e sabemos que, num ambiente de campanha, se pode dizer muita coisa e que depois, já em funções, acabamos por assumir uma posição diferente.
Trabalho muito para construir um relacionamento mais forte com os Estados Unidos. Agora que haverá uma mudança de Administração para Donald Trump, como acha que isso impactará o relacionamento que conseguiu construir até agora com os EUA? Especificamente, como isso afectará os esforços no Corredor do Lobito?
Bem, em relação a essa questão, já disse que, em princípio, não nos preocupamos muito com a mudança na Administração americana. Isso acontece nas democracias, de tempos em tempos, há eleições, e tanto pode ganhar um como pode ganhar outro. Os Estados devem estar permanentemente preparados e respeitar a vontade dos povos, a vontade dos eleitores, e, por essa razão, trabalharem com aqueles que merecem a confiança dos eleitores do seu país.
Portanto, haverá, em Janeiro, essa mudança de Administração nos Estados Unidos da América, como tem havido nos outros países. Não é caso único. Não vamos considerar isso um drama. Às vezes, fica-se com a ideia de que “bom, e agora? Houve mudanças!” Mas o normal é mesmo que haja mudanças. Houve mudança, aconteceu… Portanto, temos que estar preparados para trabalhar com as mudanças que ocorrerem neste ou naquele país.
Julga que o relacionamento está agora num ponto onde o colocou em movimento para que continue a crescer como tem sido? Acha que poderá continuar a crescer como já tem sido?
Pelo menos, no que diz respeito a Angola, nós vamos trabalhar no sentido de não só manter como, de preferência, melhorar ainda mais o nível das relações de amizade e cooperação que temos entre Angola e os Estados Unidos da América. Portanto, tudo depende das homens. Do nosso lado, vamos fazer esse esforço e pensamos que, em princípio, também seremos correspondidos pela parte americana.
Quero perguntar mais uma coisa sobre o Presidente eleito Trump.
O Senhor quando se tornou Presidente, aqui, fez uma campanha muito forte de combate à corrupção, defendendo a democracia. Portanto, essas são, obviamente, questões muito importantes para si: democracia, combate à corrupção.
Agora, muitas coisas que o Presidente Trump propôs para os Estados Unidos seriam consideradas anti-democráticas para alguns, tendendo para um sistema autocrático.
Dadas, novamente, as grandes conquistas que fez no fortalecimento da democracia aqui, seria capaz de apoiar a Administração Trump, se ele implementasse algumas dessas medidas anti-democráticas? Algumas das quais incluem coisas como usar o Departamento de Justiça para se vingar dos seus inimigos, usar o Exército para se vingar de pessoas que não gostam dele, coisas que seriam, claramente, consideradas anti-democráticas. Então, a minha pergunta é: seria capaz de apoiar a sua presidência ou apoiá-lo como Presidente se ele implementasse esse tipo de coisas?
Não nos metemos nas políticas de outros países. Portanto, nós vamos defender a democracia do nosso país, Angola. Todas as medidas que vimos tomando continuaremos a tomá-las, no sentido de fortalecer a democracia, independentemente de outros países fazerem-no ou não. Portanto, quem tem que julgar ou deixar de julgar as políticas que os americanos terão, de Janeiro em diante, são o povo americano, os eleitores americanos, e não nós enquanto entidades estrangeiras.
Os americanos não se coibem em julgar outros países quando fazem coisas que são ou podem ser consideradas anti-democráticas. Mas não acredita que, como Angola, poderiam seguir esse caminho de críticar um país que fizesse coisas que considerem contra a democracia?
Sim, mas não temos que fazer necessariamente o que os outros fazem. A América talvez se julga neste direito, por ser a potência internacional que é – não é o caso de Angola. Angola segue regras e princípios das relações internacionais entre Estados, Portanto, nós não julgamos os outros pelo que eles fazem.
Mais uma coisa sobre o Presidente Biden. Obviamente, o seu trabalho como Presidente é, seja quem for o outro líder mundial, trabalhar com essa pessoa. Está a tentar construir uma relação para benefício de todos? Mas estou apenas curioso, a nível pessoal, que tipo de relação acha que construiu com o Presidente Biden? E o que diria sobre ele como pessoa, tendo em conta as vezes que teve oportunidade de encontrar-se com ele e de o conhecer pessoalmente? Que tipo de vinculo desenvolveu com ele a título pessoal?
Bom, não gosto muito de subjectivar as questões, mas, no geral, eu direi que no curto espaço de tempo que tive de me relacionar com o Presidente Biden, a relação foi muito boa.
Portanto, ele teve a amabilidade de me convidar a visitar os Estados Unidos da América. Fui recebido muito bem, na Casa Branca. Logo a seguir, anunciou a sua intenção de vir a Angola. E nós também vamos recebê-lo muito bem, dentro dos próximos dias. Portanto, a relação é boa e continuará a ser boa, mesmo quando algum dia ele deixar de ser Presidente americano.
Portanto, durante este período, nós sentimos uma grande abertura da parte da Administração americana, que se mostrou, com factos e não apenas com palavras, disponível em cooperar com Angola em praticamente todos os domínios: no domínio económico, financeiro, no ramo da defesa, das infra-estruturas. Deu passos concretos, autorizou uma linha de financiamento, num valor avultado, para ajudar a Angola a fazer a transição energética. Estou-me a referir a um projecto grande de energia solar, sobretudo para o Sul de Angola. Portanto, tudo isso deve ser reconhecido por Angola e nós reconhecemos que, com o Presidente Biden, as nossas relações deram um salto bastante grande.
Quero perguntar-lhe um pouco sobre a China. A China, obviamente, fez muito para ajudar a desenvolver Angola. Não há dúvida sobre isso. Um dos desafios é que, obviamente, Angola assumiu uma grande dívida para fazer isso. Estão a abordar a forma como fazem negócios com a China agora? Estão a abordar de forma diferente do que faziam no passado?
Deixe-me dizer que o investimento chinês, o investimento privado directo chinês em Angola não é grande! É pequeno, contrariamente a ideia de que, às vezes, se tem da presença chinesa em Angola.
Sabe que o nosso país deve ser dos poucos países no mundo que teve perto de três décadas de conflito armado. E, como é óbvio, um período tão grande de conflito armado deixou o nosso país praticamente em escombros. E necessitávamos de recursos enormes, que não tínhamos, para reconstruir o nosso país.
E a China, nessa altura, que precisávamos reconstruir Angola, reconstruir o país, reconstruir sobretudo as suas infra-estruturas — porque toda a economia estava baseada na inexistência de infra-estruturas rodoviarias, ferrovias, portos, aeroportos, eléctricas – a China prontificou-se a abrir uma linha de financiamento, na ordem de biliões, para que Angola pudesse começar, pelo menos, com a reconstrução nacional.
Portanto, como resultado disso, o crédito não é uma oferta. Quem tomou o crédito tem a obrigação de rembolsar este valor que recebeu.
Portanto, o momento bom, podemos assim dizer, que era de receber os recursos praticamente passou. Agora, estamos naquele momento em que a parte angolana tem que honrar com o compromisso de pagar a dívida.
Temos noção de que o facto desta dívida estar relacionada com um colateral de petróleo é desvantajoso para o nosso país. Mas também temos a noção de que, na altura em que se negociou a linha de financiamento, nós aceitamos essa condição, naquela altura. E por termos aceite, temos que, na mesma, honrar o nosso compromisso. Temos que pagar a divida, coisa que estamos a fazer todos os anos.
É evidente que se me perguntar, caso queira negociar novos empréstimos fa-lo-ia nos mesmos moldes do passado, com colateral petróleo? Eu digo que não. E digo que não e dou-lhe exemplos.
Tinhamos também uma linha de financiamneto com o Brasil com colateral petróleo. Liquidamos essa dívida, já não temos essa dívida. Estamos a procurar renegociar com o BNDES, mas em condições diferentes das anteriores. Ou seja, se o Brasil estiver a abrir a linha sem a colateral petróleo, Angola esta interessada.
E para concluir, dizendo que nós estabelecemos um acordo com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial de empréstimos para a economia angolana, evidentemente que em condições diferentes, bem melhores, sem o colateral de petróleo, e estamos também a honrar este compromisso que assumimos, quer com o Fundo Monetário Internacional, quer com o Banco Mundial.
Portanto, sempre que possível, nós vamos procurar endividar o país nas melhores condições possíveis. E, portanto, quer com os eurobonds, quer com o FMI, quer com o Banco Mundial, quer com outros credores internacionais que ganharam confiança na capacidade de Angola pagar, de honrar os seus compromissos. Só aceitaremos créditos nas condições que sejam do nosso interesse.
Mencionou que não aceitaria os mesmos termos do empréstimo que Angola aceitou no passado. Isso faz parte da razão pela qual têm estado a virar-se para os Estados Unidos e para o Ocidente, porque acredita que Angola pode conseguir um acordo melhor fazendo isso?
Não. Nós procuramos… A resposta está dada. Eu disse há bocado que procuramos negociar com o FMI e o Banco Mundial, que são instituições financeiras internacionais que dão alguma credibilidade. No fundo, sinalizam para os credores internacinais, de uma forma geral, dizendo: ”este é um bom pagador. Angola é um bom pagador, vai honrar com a sua palavra”. É este o caminho que vamos seguir. Portanto, as instituições financeiras internacionais têm, precisamente, este papel de assinalar se aqueles tomadores de crédito são fiavéis ou não. E, portanto, dizer aos credores, de uma maneira geral, que podem ou não trabalhar com eles. É isso que nós fizemos.
Os americanos argumentaram que, quanto ao Corredor do Lobito, uma das vantagens para Angola é que ele traz um modelo mais sustentável e parceria económica do que existia com a China. E com isso, eles querem dizer que não estão a deixar muita dívida, estão a estimular investimentos de todo o mundo, outros parceiros, para investir em Angola e que estão a empregar jovens angolanos, em vez de trazerem os seus próprios trabalhadores. Concorda com essa avaliação de que há vantagens neste modelo no Corredor do Lobito?
Sim. Concordo que o desenvolvimento do Corredor do Lobito vai atrair investidores internacionais importantes. Não é à toa que os Estados Unidos da América vão pôr dinheiro já anunciado. São valores altos.
Portanto, quem ganhou, não sei se sabe, a concessão do Corredor Lobito é um consórcio de empresas europeias, todas elas europeias. Mas, logo a seguir, os Estados Unidos da América, olhando para a importância deste projecto, estão a financiar este mesmo consórcio. Portanto, estão a pôr dinheiro. E atrás dos Estados Unidos da América virão outros países, outros Estados e outros investidores privados fazerem investimentos ao longo do Corredor do Lobito.
A concessão real para operar o Caminho-de-Ferro de Benguela foi para o consórcio europeu, como disse, mas a China também havia concorrido para tal. Algumas pessoas dirão que não optar pela China, o parceiro económico histórico, e optar pelos parceiros europeus, depois também investir com os EUA no Corredor do Lobito, alguns dizem que isso é um sinal de que Angola se quer afastar um pouco da China.
Isso seria uma avaliação precisa de que Angola talvez se queira afastar da China e e voltar-se para outros parceiros? E se não, porquê é que a China não ganhou o concurso, dado o facto de que reconstruíram a linha férrea em si. Por que a China não obteve essa concessão para operá-la?
Deixa-me corrigir-lhe e dizer que o parceiro económico histórico de Angola não é a China. O parceiro histórico da Angola, como dizia, são os países do Ocidente. Portanto, foram sempre os países do Ocidente. É verdade que temos parceria com a China. Hoje também temos com a China, como todo mundo tem. Os Estados Unidos da América têm, a Europa tem. Portanto, nós não estamos proibidos de ter também esta parceria com a China. Agora, a pergunta que me faz, “porquê que não é a China que ganhou a concessão?”, é como se quisesse dizer que devia ser a China a ganhar. Não. Devia ser aquele que ganhou. Foi um concurso público. Portanto, a China concorreu, o consórcio ocidental também concorreu, e acabou por ganhar o consórcio ocidental. Poderia também ter acontecido o contrário. E se acontecesse o contrário, também poderiam perguntar por que não ganhou o consórcio ocidental? É um concurso público!
Portanto, isso são normas internacionais de negócios, da economia mundial, em que, para essas situações, estão envolvidos milhões em causa, fazem-se concursos públicos. E ganhou quem tinha que ganhar.
Anteriormente, estávamos a falar sobre a história com os Estados Unidos e quem eles apoiaram durante a Guerra Civil. Quão desafiador tem sido para si convencer não apenas alguns dos angolanos, mas até mesmo alguns dos seus próprios camaradas dentro do MPLA, que têm essas alianças históricas com países como a China, Rússia, convencê-los a acompanhá-lo: “Olha vamos com os EUA, vamos aprofundar isso”. Isso tem sido difícil? E se sim, como conseguiu fazer isso?
Bom, o papel dos líderes é levar a tocha, indicar o caminho, indicar o rumo a seguir. Portanto, este é o papel dos líderes e devem assumir a responsabilidade pela decisão que tomam. E foi o que nós fizemos. Para além de que nós sempre tivemos… Há bastante tempo que mantemos relações com os Estados Unidos da América.
Portanto, o que aconteceu de lá para cá, desde o momento em que estabelecemos relações diplomáticas com os Estados Unidos da América para cá, o que aconteceu é apenas uma maior aproximação e uma maior abertura de ambos os lados. Portanto, devemos ser sinceros em reconhecer que houve abertura dos dois lados. E a nossa missão foi indicar o caminho. O caminho é este, sigam! É difícil? Bom, deixo aos outros julgarem, se consideram dificil ou não. Eu não direi se foi difícil ou se não foi difícil. Só tenho a dizer que está a ser possível. Portanto, os ganhos desta nossa posição vão se fazer sentir daqui a algum tempo, estimo eu, relativamente curto.
Enfrentou muitas criticas aqui no país por ir em direcção aos Estados Unidos?
Não havia razões para isso. Essa razão não senti.
Quero voltar a uma questão que já lhe coloquei anteriormente. Quero ter a certeza de que fiquei claro sobre isso quando falava sobre os argumentos da América e porque o Corredor Lobito é um bom investimento sustentável para Angola. Minha pergunta é: concorda com as avaliações de que este modelo de investimento para Angola é melhor do que tem sido historicamente feito com a China, com a obtenção de empréstimos e esse tipo de coisas? Concorda com essa avaliação?
Porquê que sempre que fala dos Estados Unidos da América logo a seguir tem que pôr a China no meio? Por que razão?
Bem, porque a América fala frequentemente sobre estar a trazer algo diferente, que este é um modelo diferente do da China. E mesmo no Governo americano aprovaram leis que visam combater a influência chinesa em África. Então, estou a perguntar-me como o Senhor encara isso?
Mas a China nunca teve a concessão do Corredor do Lobito. Se a China antes tivesse tido a concessão do Corredor do Lobito, o seu raciocínio talvez fosse lógico, mas não é lógico, desculpe dizer-lhe isso, porque a China nunca teve a concessão do Corredor do Lobito.
Portanto, daí eu interrogar-lhe por que razão põe sempre os dois na balança. EUA vs China, ou China vs EUA?
Portanto, o mais lógico seria compará-lo com o modelo anterior. E o modelo anterior não era com a China. O modelo anterior é que quem tinha a gestão do Caminho -de-Ferro de Benguela era o Estado de Angola. Portanto, compare com este período em que o Estado angolano é que geriu o Caminho-de -Ferro de Benguela e agora que o Corredor Lobito vai ficar com a concessão de um consórcio europeu apoiado pelos Estados Unidos da América.
Mas, como líder de um país, tem que gerir essas relações, certo? Porque sabe que essas superpotências mundiais,frequentemente, combatem-se entre si, certo? Nós, obviamente, sabemos disso. Então, a minha pergunta é mais sobre como o Senhor gere essas relações como líder? Eu vivo na África do Sul, e obviamente o Presidente Ramaphosa teve que lidar com isso entre a Rússia, EUA e China, e por aí em diante. E tenho a certeza de que enfrenta a mesma coisa.
Então, acho que estou mais a tentar obter uma visão sobre como o Senhor aborda este assunto. É uma abordagem onde os vê todos como parceiros iguais e eles apenas trazem coisas diferentes? Como aborda isso?
Deixa-me dizer-lhe claramente que para nós isso é um não caso. É um não caso porque o mundo não é feito apenas de dois países. O mundo é constituído por centenas de países. E os países procuram ter relações políticas, diplomáticas e económicas com a grande maioria dos Estados existentes no mundo. E é o que Angola faz.
Angola tem relações com a quase totalidade dos países do mundo. Quase! Portanto, temos que continuar a manter essa nossa postura, manter relações com o maior número possível de países no mundo. Uns são gigantes, são grandes potências, outros não o são. Mas não nos podemos relacionar apenas com as grandes potências. Relacionamo-nos com todos. Grandes e pequenos, poderosos, ricos e pobres.
Esta é a melhor política que se enquadra no espírito do multilateralismo, conceito que é defendido pelas Nações Unidas e que nós aprovamos por considerarmos ser o mais justo e é o que melhor vai ao encontro dos interesses da grande maioria dos povos no nosso Planeta.
O mundo é um verdadeiro arco-íris, o mundo não se limita a duas cores: preto e branco. E, por esta razão, nós não aceitamos o que às vezes se procura defender, que se você está com um, tem que estar contra o outro. Entre dois, você tem que escolher um ou outro.
Na política externa de Angola, isso é questionável. Da forma como está a colocar a questão, desde o início da entrevista, ou EUA ou a China, como quem diz escolha qual deles é melhor, eu acho que não é correcto.
Os Estados Unidos da América têm relações com a China. A gente vê, com alguma regularidade. Há bem pouco tempo estiveram autoridades americanas na China. Amanhã mesmo, o Presidente Joe Biden vai reunir-se com o Presidente Xi Jinping. Então, qual é o vosso problema?
O mundo não é feito do preto e do branco. Não é feito dos Estados Unidos e a China.Há muito mais para além dos Estados Unidos e da China.
Mas está com todos esses países, certo? Quero dizer que tem que trabalhar com todos eles. E parece que todos eles têm muito interesse por Angola por causa de tudo o que tem para oferecer?
Estamos à procura de investimento privado estrangeiro. Todo investimento privado estrangeiro, em princípio, salvo raras excepções, é bem-vindo.
O último assunto que quero perguntar é sobre o que está a acontecer na região, em termos políticos, e no Sul de África? Vimos o que aconteceu com o ANC neste ano, nas eleições da África do Sul, caindo muito. Vimos o BDP no Botswana, sei que não é um movimento de libertação, mas ainda assim é um partido que está no poder desde que foi admitido, a cair. Obviamente, em Moçambique, estão a passar por muita agitação neste momento.
Como avalia a situação para os antigos movimentos de libertação da África Austral, em termos da popularidade política, pelo que estão a enfrentar? Acha que há algo que todos precisam de fazer para realmente estarem em sintonia com as populações e com o que elas querem?
Bom, devo dizer que os partidos políticos oriundos dos antigos movimentos de libertação temos uns quantos aqui no continente, no geral, mais em particular aqui na África Austral, onde estão mais concentrados. Mas temos que abordar esta questão caso a caso.
Portanto, a única coisa que temos em comum é que todos nós, ou muitos de nós, viemos de antigos movimentos de libertação. Só que hoje já não somos mais movimentos de libertação.
Os movimentos de libertação ficaram para trás. Morreram com as independências dos seus respectivos países. Daí para frente, somos partidos políticos que aceitamos as regras do jogo, concorremos para governar, e ficamos sujeitos ao escrutínio do povo e, consequentemente, dos eleitores, que votam em nós ou não.
Bom, falou do caso concreto da África do Sul… O caso concreto da África do Sul, igual a ele, há muitos no mundo. A grande maioria dos partidos políticos europeus que concorrem às eleições nunca chegam a 50 por cento dos votos dos eleitores e governam. E nunca ninguém questiona a legitimidade desses mesmos governos.
Podemos citar, se quisermos, país por país. Quase todos os países europeus, os partidos que estão a governar, que elegeram presidentes, que elegeram primeiros-ministros, tiveram 30 e tal por cento, se chegaram a 40 por cento dos votos dos eleitores já foi com muita sorte. E isso nunca preocupou a ninguém. E, às vezes, não entendemos por que razão os analistas ficam preocupados pelo facto de o ANC ter, desta vez, nessas últimas eleições, ter tido um número de votos que lhe obrigou a governar em coligação com outros partidos políticos.
Isso acontece todos os dias! Agora mesmo, na Alemanha, estamos a assistir que a coligação rompeu. Portanto, quando se constituiu aquela coligação ninguém questionou a legitimidade daquelas eleições pelo facto de o partido que hoje está a governar, ou pelo menos até ontem, não ter atingido 50 por cento dos votos
Eu não acho que alguém questione a legitimidade. Acho que foi chocante para muitas pessoas, incluindo para o ANC, passar de 58 por cento e depois descer para 40 por cento, porque é um partido que libertou a África do Sul do apartheid, e é um partido que manteve a popularidade por tanto tempo.
O que ouço quando converso com jovens por todo o continente, e até mesmo com alguns membros desses partidos, é que talvez os movimentos de libertação não tenham descoberto como conectar a geração mais jovem, como responder às suas necessidades. Talvez ainda estejam a falar demasiado sobre o que fizeram no passado. E esse é o tipo de retorno que obtive. Estou curioso em saber o que pensa sobre isso, se realmente precisam fazer mais para se conectar com a geração jovem e aproximá-los?
Bom, os partidos não são forças estáticas. Estão em movimento permanente, adaptação à situação interna dos respectivos países, à própria conjuntura internacional. Portanto, em função de um conjunto de factos que vão acontecendo no mundo, nos respectivos países, os partidos políticos são obrigados a fazer reformas para se ajustarem ao ambiente interno e internacional em que vivem. Sobretudo, no mundo de hoje, em rápido crescimento e transformação, de alguma forma sob a influência das tecnologias de informação e comunicação.
Quem governa está em permanente pressão, sobretudo pela necessidade da oferta de serviços à população, água, energia, habitação, saúde, emprego.
Portanto, tudo isso exerce uma forte pressão sobre quem está a governar e na maioria dos casos a capacidade de resposta está abaixo das necessidades. Mais aqui, no nosso continente africano, onde o crescimento demográfico é muito mais rápido do que o crescimento do Produto Interno Bruto.
A população cresce rapidamente. De ano para ano, aumenta assim de repente, há necessidade de mais escolas, mais hospitais, mais transporte público, mais habitação, mais emprego. Portanto, todos nós que estamos no poder enfrentamos essa situação, esse grande desafio. E quando dizia que cada caso é um caso, bom, a capacidade de ir minimamente ao encontro das expectativas do cidadão também varia de país para país.
Vou deixar-lhe com a última questão, porque acho que já falei muito. Qual é a sua visão? Sinceramente, onde estará Angola dentro 20, 30 anos? Quero dizer que há grande interesse de todos por Angola. O Presidente dos Estados Unidos vem, Angola continua a sua relação com a China, Rússia, Turquia e com os Estados do Golfo. Tem tanto potencial, tantas coisas dinâmicas e robustas a ser em feitas aqui, mas também muitos desafios. Então, dentro de 20 anos, 30 anos, qual é a sua grande visão para este país?
Bom, vejo para Angola um futuro radiante. Um futuro radiante, por existir potencial para desenvolver o nosso país, desde que continuemos a ter políticas correctas para termos um desenvolvimento sustentável de Angola.
Precisamos continuar a investir seriamente nas infra-estruturas. Portanto, isto é uma empreitada que não está terminada. Precisamos de continuar a fazer mais quilómetros de estradas, caminhos-de-ferro, portos, aeroportos, infra-estruturas escolares, hospitalares, apostar na educação, em todos os níveis, sobretudo no ensino superior.
Mas vejo com bastante optimismo um futuro risonho para Angola. O nosso país é jovem. A juventude sempre jogou um papel importante em todas as fases da nossa vida, e daqui para a frente vai continuar a jogar.
Portanto, o futuro de Angola será… Daqui a 20 anos, vamos ver uma Angola bem melhor do que a que temos hoje.
Algo mais que gostaria de acrescentar?
Não. Muito obrigado!
Muito obrigado! Foi um prazer.
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